quinta-feira, 16 de abril de 2015

Caminhos para uma escola alfabetizadora



  Para que todos os alunos saibam ler e escrever antes de chegarem aos 8 anos, a equipe gestora deve investir na formação dos professores e na criação de um ambiente alfabetizador.

Karina Padial


As situações a seguir acontecem em escolas de todo o Brasil: boa parte dos alunos de séries avançadas - tanto do Ensino Fundamental quanto do Médio - não consegue localizar informações em uma notícia de jornal, assusta-se diante de livros mais grossos que precisam ser lidos para a disciplina de Língua Portuguesa e não entende o artigo científico consultado na aula de Ciências, entre outras dificuldades. Eles fazem parte daquela parcela da população que avança na escolaridade sem dominar a leitura e a escrita ou do índice de 29,6% de crianças e jovens em defasagem idade-série no Brasil. Tudo porque não foram bem alfabetizados. Hoje, são 456 mil meninos e meninas de 8 anos que não leem nem escrevem da forma que se espera para a idade (15,2% do público dessa idade). Candidatos, portanto, a futuros analfabetos funcionais.
 
  Para quebrar essa corrente, é preciso garantir que todas as escolas alfabetizem os alunos nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Alguns especialistas afirmam que isso pode acontecer até antes, principalmente se as crianças frequentam a pré-escola - agora obrigatória. Porém o Ministério da Educação (MEC), com o intuito de propor uma meta mais factível do que ideal, optou por estabelecer os 8 anos como teto ao elaborar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Em novembro do ano passado, quando o programa foi lançado, ele teve a adesão de 5.270 dos 5.565 municípios do país e de todos os estados da federação, que receberão recursos para serem investidos, prioritariamente, na formação de professores e na aquisição de material pedagógico.

  Contudo, a escola precisa estar preparada para a missão. E os caminhos para atingir o objetivo passam por providenciar um ambiente 100% alfabetizador - aquele em que a escrita e a leitura são o eixo principal da comunicação e da relação entre os alunos e a escola - e incorporar à rotina de todos a cultura da capacitação em serviço. Nesta reportagem, você vai conhecer 18 ações - divididas nas seis áreas da gestão escolar (aprendizagem, equipe, material, espaço, tempo e comunidade) - que ajudarão na consolidação de uma escola alfabetizadora.

1-Aprendizagem

Definir as expectativas
O primeiro passo é estabelecer o que os alunos têm de aprender nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Algumas secretarias já fixam as metas: a estadual de São Paulo, por exemplo, deliberou que no fim do 1º ano as crianças devem conhecer os usos e as funções sociais da escrita, compreender o sistema alfabético e ler e escrever palavras e sentenças. Ao terminar o 2º, elas precisam ler e formular textos curtos e utilizá-los em práticas sociais. Já na conclusão do 3º, espera-se que os estudantes estejam aptos a ler com fluência, produzir escritas ortograficamente corretas e localizar informações em textos mais longos. Caso a secretaria de Educação não tenha as expectativas de aprendizagem elaboradas, a própria escola terá de fazer isso.

Usar a leitura e a escrita como prática social

Dentro da escola, é certo que os alunos precisam ler e escrever com a mesma finalidade que todos na sociedade o fazem: uma antologia poética e um livro de contos, por exemplo, elaborados por uma turma, têm de ser compartilhados com os colegas e distribuídos às famílias; as regras de um jogo, escritas para serem consultadas durante a brincadeira e assim por diante. Nada de escrever somente para o professor ler. "Ver como o material escrito é usado e considerar o leitor na hora das produções dá sentido a elas e permite que os estudantes entendam seus propósitos", afirma Beatriz Gouveia, coordenadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.

Estimular a ler e escrever desde cedo

Mesmo sem estarem alfabetizados, os pequenos da Educação Infantil conseguem identificar o próprio nome, "ler" para os colegas uma parlenda que conhecem de memória e diferenciar as imagens da escrita. Isso se o contato com textos diversos se der desde cedo, com o professor da creche e da pré-escola lendo para os bebês e as crianças, oferecendo livros e outros suportes da escrita para serem manipulados e permitindo que todos "escrevam" - cada um do seu jeito. "Dessa forma, o grupo chega ao Ensino Fundamental pensando sobre o sistema da escrita e entendendo que ela representa a fala", afirma Marisa Garcia, doutora em Educação e consultora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

Realizar avaliações diagnósticas

Para ter consciência do nível de cada aluno nas habilidades de leitura e escrita, o ideal é realizar pelo menos cinco sondagens por ano: uma no início do período letivo e as outras no fim de cada bimestre. "Com os resultados, o professor pode se reunir com o coordenador pedagógico e pensar em estratégias que promovam os avanços necessários", afirma Marisa.

Planejar atividades de reforço

Se algum aluno não atingiu as expectativas de aprendizagem, é obrigação da escola oferecer opções para que ele não fique para trás - como grupos de apoio, aulas no contraturno e atividades complementares ao trabalho de sala de aula. Isso durante todo o ano. Ter critérios objetivos para a seleção dos alunos que participarão dessas turmas e professores alfabetizadores ajuda no planejamento e no sucesso das ações.

Valorizar as produções

Ao coordenador pedagógico cabe orientar a equipe docente a reconhecer toda e qualquer tentativa de escrita a fim de manter os alunos motivados a elaborar os próprios textos -- que podem ser expostos em murais, painéis e varais instalados nas áreas de lazer e nos corredores. Além de providenciar os suportes, os gestores devem se certificar de que eles estão exibindo a produção de toda a turma e são atualizados com frequência.

Criar um ambiente comunicador

Bilhetes para as famílias, notícias de caráter social, cultural, institucional e administrativo, convite para uma comemoração e atas de reunião são alguns dos textos que circulam no ambiente escolar e, portanto, devem ser valorizados. "Eles reforçam o uso da linguagem como uma forma de expressão e comunicação e democratizam o acesso às informações, contribuindo para a aprendizagem da leitura e da escrita", defende Vera Masagão, coordenadora geral da ONG Ação Educativa, em São Paulo.

2-Equipe

Ter um coordenador pedagógico

É esse profissional que vai, semanalmente, orientar o horário de trabalho coletivo. Esse momento de troca de experiência entre os docentes sobre as situações da sala de aula é o mais adequado para discutir as teorias e práticas pedagógicas elaboradas nos últimos 20 anos - muitas mudanças aconteceram no conhecimento didático sobre o processo de alfabetização nesse período. A prática se torna ainda mais eficaz se o coordenador incluir em sua rotina o acompanhamento de aulas, pois, ao observá-las, ele conseguirá apoiar a atuação do educador e orientá-lo adequadamente.

Investir na especialização dos educadores

Certamente os professores se tornarão experts em alfabetização se a formação na escola for bem feita pelo coordenador pedagógico. Mas onde ele se atualiza? O interesse em buscar informações nessa área ajuda, porém o apoio do supervisor da Secretaria de Educação é imprescindível. Se esse contato for próximo, a troca entre eles fica mais rica e o técnico terá mais facilidade para organizar cursos e palestras que atendam às necessidades da rede e buscar os recursos formativos oferecidos pelo Ministério da Educação (MEC). Estreitar o contato com universidades e estudiosos em cursos e palestras é outro caminho a ser explorado pelo gestor. A ele cabe também ajudar os profissionais a organizar a agenda de modo que coordenadores e professores possam comparecer aos encontros sem prejudicar as aulas.

3-Material

Ampliar o acervo e preservá-lo

Costuma-se pensar que livros com muitas figuras são os preferidos das crianças que estão começando a ler, porém o que as atrai mesmo é uma boa história. A biblioteca da escola e o canto de leitura de cada sala de aula devem estar repletos de publicações com imagens, porém nada impede que o acervo seja maior e mais diversificado. Livros de contos de terror e de aventura, ficção, poesias e outros gêneros são bem-vindos à coleção. Os textos mais complexos podem ser lidos pela professora e emprestados às crianças para que os pais leiam com elas. As escolas públicas contam com o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), do MEC, e outras iniciativas empreendidas pelas Secretarias de Educação dos estados e municípios. Também é possível organizar campanhas de arrecadação junto à comunidade desde que haja critério para selecionar o material recebido. Campanhas educativas para ensinar as crianças a cuidar dos livros e o controle de retirada dos exemplares são fundamentais para preservá-los.

Disponibilizar o acesso aos computadores

O uso da internet colabora no processo de alfabetização das crianças na medida em que elas têm as letras disponíveis no teclado, facilitando a escolha e eliminando a dificuldade do traçado. Aos pequenos pode ser sugerida a elaboração de uma lista de animais no editor de textos, com figuras que eles mesmos vão procurar na internet. A pesquisa sobre o autor de uma obra lida em sala também é uma atividades a ser explorada. Para Vera Masagão, o contato com a tecnologia é importante, pois, nos próximos anos, computadores, tablets e celulares serão os principais suportes de escrita.

Transformar a sala de aula

Nada de paredes vazias e de cantos sem material escrito. Livros, revistas, gibis e jornais precisam estar em local acessível para que as crianças os manuseiem. O alfabeto, as regras da brincadeira ou da receita culinária que será feita no dia e outros textos, fixados em murais, servem de consulta para os estudantes nas tentativas de escrita. Importante ter o nome dos alunos em letras maiúsculas numa lista gigante ao lado do quadro e na identificação dos materiais escolares. Beatriz Gouveia lembra que o alfabeto móvel e os jogos pedagógicos - cujo foco seja a palavra inserida em contexto comunicativo - contribuem para que situações de uso da escrita ganhem destaque nas aulas.

4-Espaço

Utilizar bem o local de leitura

Obras de qualidade da literatura infanto-juvenil e gêneros variados devem fazer parte do acervo da biblioteca ou sala de leitura. No entanto, o espaço só adquire relevância quando as crianças realizam atividades como rodas de leitura, reconto de histórias e saraus literários. O ideal é ter um profissional responsável por planejá-las, organizar os exemplares e indicar livros para professores e alunos. O local ainda pode ficar disponível para a comunidade do entorno da escola.

Formar agrupamentos pequenos

Com poucos alunos, o professor consegue atender a todos, respeitando o ritmo de cada um e oferecendo atividades específicas. Além disso, em turmas menores, todos têm a chance de participar mais das propostas coletivas. Em novembro, foi aprovado pelo Senado Federal - e está em tramitação na Câmara dos Deputados - um projeto de lei que determina o máximo de 25 estudantes por sala nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Há experiências exitosas também com dois professores nas turmas de alfabetização.

5-Tempo

Promover atividades diárias de leitura

Diretor, coordenador pedagógico e professores definem em que momento inserir uma atividade diária de leitura. No planejamento das aulas, ela é obrigatória. Por que não torná-la rotina também na abertura de reuniões de formação, de equipe e de pais e na pausa da jornada dos funcionários? Todos, certamente, vão se sentir à vontade para abrir um livro se isso for estimulado pelos gestores.

Garantir o cumprimento dos dias letivos

São 200 dias e 800 horas por ano que a escola deve assegurar aos alunos. No entanto, não basta que a quantidade seja cumprida. É preciso assegurar a boa utilização do tempo para o ensino e a aprendizagem. A observação de sala de aula ajuda o coordenador pedagógico a ver se isso está sendo feito. Se ele notar desperdício com tarefas pouco importantes, deve inserir a discussão sobre o máximo aproveitamento do tempo das aulas nos encontros de formação a fim de orientar os professores.

6-Comunidade

Comunicar as propostas de alfabetização aos pais

Será mais fácil acompanhar a aprendizagem dos filhos se os familiares forem bem informados sobre os procedimentos usados pela escola para atingir tal objetivo. "As reuniões de pais servem a esse propósito, assim como palestras que abordam a maneira como as crianças aprendem a ler e escrever", afirma Paula Stella, professora de pós-graduação do Centro de Formação da Escola da Vila, em São Paulo. Nos encontros, é possível dar orientações sobre como ajudar os filhos. Os pais podem perguntar se há lição de casa, reservar um local tranquilo para que a criança faça as tarefas, olhar o caderno e comentar os avanços. E, claro, ler para e com os pequenos.

Incluir a família nas atividades

Quando participam de eventos como feira de troca de livros e gibis, saraus literários e encontros com autores, os pais mostram aos filhos a importância de ler e valorizam a atividade de leitura. Por isso, um convite para comparecer à escola nesses momentos é bem-vindo, assim como a inclusão em projetos que demandem a leitura em família.

·          


Nenhum comentário:

Postar um comentário