Para que todos os alunos saibam ler e escrever antes de chegarem aos 8
anos, a equipe gestora deve investir na formação dos professores e na criação
de um ambiente alfabetizador.
Karina Padial
As situações a seguir acontecem em
escolas de todo o Brasil: boa parte dos alunos de séries avançadas - tanto do
Ensino Fundamental quanto do Médio - não consegue localizar informações em uma
notícia de jornal, assusta-se diante de livros mais grossos que precisam ser
lidos para a disciplina de Língua Portuguesa e não entende o artigo científico
consultado na aula de Ciências, entre outras dificuldades. Eles fazem parte
daquela parcela da população que avança na escolaridade sem dominar a leitura e
a escrita ou do índice de 29,6% de crianças e jovens em defasagem idade-série
no Brasil. Tudo porque não foram bem alfabetizados. Hoje, são 456 mil meninos e
meninas de 8 anos que não leem nem escrevem da forma que se espera para a idade
(15,2% do público dessa idade). Candidatos, portanto, a futuros analfabetos
funcionais.
Para quebrar essa corrente, é
preciso garantir que todas as escolas alfabetizem os alunos nas séries iniciais
do Ensino Fundamental. Alguns especialistas afirmam que isso pode acontecer até
antes, principalmente se as crianças frequentam a pré-escola - agora
obrigatória. Porém o Ministério da Educação (MEC), com o intuito de propor uma
meta mais factível do que ideal, optou por estabelecer os 8 anos como teto ao
elaborar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Em
novembro do ano passado, quando o programa foi lançado, ele teve a adesão de
5.270 dos 5.565 municípios do país e de todos os estados da federação, que
receberão recursos para serem investidos, prioritariamente, na formação de
professores e na aquisição de material pedagógico.
Contudo, a escola precisa
estar preparada para a missão. E os caminhos para atingir o objetivo passam por
providenciar um ambiente 100% alfabetizador - aquele em que a escrita e a
leitura são o eixo principal da comunicação e da relação entre os alunos e a
escola - e incorporar à rotina de todos a cultura da capacitação em serviço.
Nesta reportagem, você vai conhecer 18 ações - divididas nas seis áreas da
gestão escolar (aprendizagem, equipe, material, espaço, tempo e comunidade) -
que ajudarão na consolidação de uma escola alfabetizadora.
1-Aprendizagem
Definir as expectativas
O primeiro passo é estabelecer o que
os alunos têm de aprender nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Algumas
secretarias já fixam as metas: a estadual de São Paulo, por exemplo, deliberou
que no fim do 1º ano as crianças devem conhecer os usos e as funções sociais da
escrita, compreender o sistema alfabético e ler e escrever palavras e
sentenças. Ao terminar o 2º, elas precisam ler e formular textos curtos e
utilizá-los em práticas sociais. Já na conclusão do 3º, espera-se que os
estudantes estejam aptos a ler com fluência, produzir escritas ortograficamente
corretas e localizar informações em textos mais longos. Caso a secretaria de
Educação não tenha as expectativas de aprendizagem elaboradas, a própria escola
terá de fazer isso.
Usar a leitura e a escrita como prática social
Dentro da escola, é certo que os
alunos precisam ler e escrever com a mesma finalidade que todos na sociedade o
fazem: uma antologia poética e um livro de contos, por exemplo, elaborados por
uma turma, têm de ser compartilhados com os colegas e distribuídos às famílias;
as regras de um jogo, escritas para serem consultadas durante a brincadeira e
assim por diante. Nada de escrever somente para o professor ler. "Ver como
o material escrito é usado e considerar o leitor na hora das produções dá
sentido a elas e permite que os estudantes entendam seus propósitos",
afirma Beatriz Gouveia, coordenadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.
Estimular a ler e escrever desde cedo
Mesmo sem estarem alfabetizados, os
pequenos da Educação Infantil conseguem identificar o próprio nome,
"ler" para os colegas uma parlenda que conhecem de memória e diferenciar
as imagens da escrita. Isso se o contato com textos diversos se der desde cedo,
com o professor da creche e da pré-escola lendo para os bebês e as crianças,
oferecendo livros e outros suportes da escrita para serem manipulados e
permitindo que todos "escrevam" - cada um do seu jeito. "Dessa
forma, o grupo chega ao Ensino Fundamental pensando sobre o sistema da escrita
e entendendo que ela representa a fala", afirma Marisa Garcia, doutora em
Educação e consultora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo.
Realizar avaliações diagnósticas
Para ter consciência do nível de cada
aluno nas habilidades de leitura e escrita, o ideal é realizar pelo menos cinco
sondagens por ano: uma no início do período letivo e as outras no fim de cada
bimestre. "Com os resultados, o professor pode se reunir com o coordenador
pedagógico e pensar em estratégias que promovam os avanços necessários",
afirma Marisa.
Planejar atividades de reforço
Se algum aluno não atingiu as
expectativas de aprendizagem, é obrigação da escola oferecer opções para que
ele não fique para trás - como grupos de apoio, aulas no contraturno e
atividades complementares ao trabalho de sala de aula. Isso durante todo o ano.
Ter critérios objetivos para a seleção dos alunos que participarão dessas
turmas e professores alfabetizadores ajuda no planejamento e no sucesso das
ações.
Valorizar as produções
Ao coordenador pedagógico cabe
orientar a equipe docente a reconhecer toda e qualquer tentativa de escrita a
fim de manter os alunos motivados a elaborar os próprios textos -- que podem
ser expostos em murais, painéis e varais instalados nas áreas de lazer e nos
corredores. Além de providenciar os suportes, os gestores devem se certificar
de que eles estão exibindo a produção de toda a turma e são atualizados com
frequência.
Criar um ambiente comunicador
Bilhetes para as famílias, notícias
de caráter social, cultural, institucional e administrativo, convite para uma
comemoração e atas de reunião são alguns dos textos que circulam no ambiente
escolar e, portanto, devem ser valorizados. "Eles reforçam o uso da
linguagem como uma forma de expressão e comunicação e democratizam o acesso às
informações, contribuindo para a aprendizagem da leitura e da escrita",
defende Vera Masagão, coordenadora geral da ONG Ação Educativa, em São Paulo.
2-Equipe
Ter um coordenador pedagógico
É esse profissional que vai,
semanalmente, orientar o horário de trabalho coletivo. Esse momento de troca de
experiência entre os docentes sobre as situações da sala de aula é o mais
adequado para discutir as teorias e práticas pedagógicas elaboradas nos últimos
20 anos - muitas mudanças aconteceram no conhecimento didático sobre o processo
de alfabetização nesse período. A prática se torna ainda mais eficaz se o
coordenador incluir em sua rotina o acompanhamento de aulas, pois, ao
observá-las, ele conseguirá apoiar a atuação do educador e orientá-lo
adequadamente.
Investir na especialização dos educadores
Certamente os professores se
tornarão experts em alfabetização se a formação na escola for
bem feita pelo coordenador pedagógico. Mas onde ele se atualiza? O interesse em
buscar informações nessa área ajuda, porém o apoio do supervisor da Secretaria
de Educação é imprescindível. Se esse contato for próximo, a troca entre eles
fica mais rica e o técnico terá mais facilidade para organizar cursos e palestras
que atendam às necessidades da rede e buscar os recursos formativos oferecidos
pelo Ministério da Educação (MEC). Estreitar o contato com universidades e
estudiosos em cursos e palestras é outro caminho a ser explorado pelo gestor. A
ele cabe também ajudar os profissionais a organizar a agenda de modo que
coordenadores e professores possam comparecer aos encontros sem prejudicar as
aulas.
3-Material
Ampliar o acervo e preservá-lo
Costuma-se pensar que livros com
muitas figuras são os preferidos das crianças que estão começando a ler, porém
o que as atrai mesmo é uma boa história. A biblioteca da escola e o canto de
leitura de cada sala de aula devem estar repletos de publicações com imagens,
porém nada impede que o acervo seja maior e mais diversificado. Livros de
contos de terror e de aventura, ficção, poesias e outros gêneros são bem-vindos
à coleção. Os textos mais complexos podem ser lidos pela professora e
emprestados às crianças para que os pais leiam com elas. As escolas públicas
contam com o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), do MEC, e outras
iniciativas empreendidas pelas Secretarias de Educação dos estados e
municípios. Também é possível organizar campanhas de arrecadação junto à
comunidade desde que haja critério para selecionar o material recebido.
Campanhas educativas para ensinar as crianças a cuidar dos livros e o controle
de retirada dos exemplares são fundamentais para preservá-los.
Disponibilizar o acesso aos computadores
O uso da internet colabora no
processo de alfabetização das crianças na medida em que elas têm as letras
disponíveis no teclado, facilitando a escolha e eliminando a dificuldade do
traçado. Aos pequenos pode ser sugerida a elaboração de uma lista de animais no
editor de textos, com figuras que eles mesmos vão procurar na internet. A
pesquisa sobre o autor de uma obra lida em sala também é uma atividades a ser
explorada. Para Vera Masagão, o contato com a tecnologia é importante, pois,
nos próximos anos, computadores, tablets e celulares serão os principais
suportes de escrita.
Transformar a sala de aula
Nada de paredes vazias e de cantos
sem material escrito. Livros, revistas, gibis e jornais precisam estar em local
acessível para que as crianças os manuseiem. O alfabeto, as regras da
brincadeira ou da receita culinária que será feita no dia e outros textos,
fixados em murais, servem de consulta para os estudantes nas tentativas de
escrita. Importante ter o nome dos alunos em letras maiúsculas numa lista
gigante ao lado do quadro e na identificação dos materiais escolares. Beatriz
Gouveia lembra que o alfabeto móvel e os jogos pedagógicos - cujo foco seja a
palavra inserida em contexto comunicativo - contribuem para que situações de
uso da escrita ganhem destaque nas aulas.
4-Espaço
Utilizar bem o local de leitura
Obras de qualidade da literatura
infanto-juvenil e gêneros variados devem fazer parte do acervo da biblioteca ou
sala de leitura. No entanto, o espaço só adquire relevância quando as crianças
realizam atividades como rodas de leitura, reconto de histórias e saraus
literários. O ideal é ter um profissional responsável por planejá-las,
organizar os exemplares e indicar livros para professores e alunos. O local
ainda pode ficar disponível para a comunidade do entorno da escola.
Formar agrupamentos pequenos
Com poucos alunos, o professor
consegue atender a todos, respeitando o ritmo de cada um e oferecendo
atividades específicas. Além disso, em turmas menores, todos têm a chance de
participar mais das propostas coletivas. Em novembro, foi aprovado pelo Senado
Federal - e está em tramitação na Câmara dos Deputados - um projeto de lei que
determina o máximo de 25 estudantes por sala nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Há experiências exitosas também com dois professores nas turmas de
alfabetização.
5-Tempo
Promover atividades diárias de leitura
Diretor, coordenador pedagógico e
professores definem em que momento inserir uma atividade diária de leitura. No
planejamento das aulas, ela é obrigatória. Por que não torná-la rotina também
na abertura de reuniões de formação, de equipe e de pais e na pausa da jornada
dos funcionários? Todos, certamente, vão se sentir à vontade para abrir um
livro se isso for estimulado pelos gestores.
Garantir o cumprimento dos dias letivos
São 200 dias e 800 horas por ano que
a escola deve assegurar aos alunos. No entanto, não basta que a quantidade seja
cumprida. É preciso assegurar a boa utilização do tempo para o ensino e a
aprendizagem. A observação de sala de aula ajuda o coordenador pedagógico a ver
se isso está sendo feito. Se ele notar desperdício com tarefas pouco
importantes, deve inserir a discussão sobre o máximo aproveitamento do tempo
das aulas nos encontros de formação a fim de orientar os professores.
6-Comunidade
Comunicar as propostas de alfabetização aos pais
Será mais fácil acompanhar a
aprendizagem dos filhos se os familiares forem bem informados sobre os
procedimentos usados pela escola para atingir tal objetivo. "As reuniões
de pais servem a esse propósito, assim como palestras que abordam a maneira
como as crianças aprendem a ler e escrever", afirma Paula Stella,
professora de pós-graduação do Centro de Formação da Escola da Vila, em São
Paulo. Nos encontros, é possível dar orientações sobre como ajudar os filhos.
Os pais podem perguntar se há lição de casa, reservar um local tranquilo para
que a criança faça as tarefas, olhar o caderno e comentar os avanços. E, claro,
ler para e com os pequenos.
Incluir a família nas atividades
Quando participam de eventos como
feira de troca de livros e gibis, saraus literários e encontros com autores, os
pais mostram aos filhos a importância de ler e valorizam a atividade de
leitura. Por isso, um convite para comparecer à escola nesses momentos é
bem-vindo, assim como a inclusão em projetos que demandem a leitura em família.
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