Textos de referência

 

António Nóvoa: aprendizagem não é saber muito

Um dos principais pensadores da Educação contemporânea fala do papel do professor diante dos novos contextos
Entrevista para Carta Educação: 
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Textos sobre Seminário Integrado
















“Ensinar o padre a rezar missa”? – A formação continuada 

de  

professor@s: por que e como?

Livio Osvaldo Arenhart
   Como demanda para as políticas públicas de educação, a formação continuada é algo recente. Mas,mesmo havendo também outras expressões semanticamente equivalentes1, formação continuada já se tornou usual entre nós professor@s. Se fôssemos fazer uma sondagem a respeito, dificilmente encontraríamos um@ docente que não saiba usar corretamente essa expressão. E mais. Em nosso país, praticamente tod@s @s profissionais da educação básica encaram a formação continuada como uma exigência legal. De modo suspeito, quando eu, professor Livio, reparo no meu modo de pensar sobre formação continuada, dou-me conta de que estou pensando algo que @s outr@s devem fazer; e, em minha louvável generosidade, penso que @s outr@s, se precisarem da minha ajuda, podem contar com os meus mais de 20 anos de experiência profissional. Afinal, o que ainda teria a aprender um@ professor@ que, por exemplo, durante mais de 20 anos “deu” 3 aulas semanais de História do Brasil para 5 turmas de 6ª série, uma vez que, muito provavelmente, ess@ professor@ sabe “de cor e salteado todo o conteúdo” de História da 6ª série (Ou, será que não sabe?). Então, por que formação continuada para um@ professor@ como ess@ e tant@s outr@s? Não poderíamos aproveitar o tempo que vamos gastar nisso para algo mais útil e agradável? Uma questão complementar a essa e mais cruel do que essa diz respeito a como encaminhar e conduzir a formação continuada com profissionais que já têm muitos anos de estrada.

    Antes de falar sobre encaminhamentos positivos sobre estas questões espinhosas, cabe reconhecer que a formação continuada, desde que ela se tornou assunto de política pública, nas formas segundo as quais ela atingiu @s professor@s do Estado do Rio Grande do Sul, foi desastrosa. D@s professor@s mais velh@s, quem não sente uma espécie de náusea quando lembra, por exemplo, da figura do grande lápis com as cores da bandeira do Rio Grande do Sul? Com efeito, a atual geração de profissionais da educação arcou com os custos de sua formação inicial, deu uma contribuição incalculável para a sociedade regional e estadual, mas, cada vez que se tratava de o poder público desenvolver o aperfeiçoamento profissional continuado, quase invariavelmente, fê-lo de modo impositivo e humilhante para @s professor@s. Como bem disse um professor e amigo meu: “A sociedade me deve. A sociedade deve para a nossa geração de professor@s”. Ora, o caráter impositivo e policialesco da maioria dos projetos de formação continuada fez com que a categoria d@s professor@s tenha se firmado numa posição mais ou menos rígida de recusa à formação continuada vinda de cima para baixo. E muit@s professor@s acabaram assumindo uma atitude de isolamento intelectual e profissional, à revelia do próprio conceito democrático de docência. Do ponto de vista analítico, isso é compreensível. E disso deriva que, para podermos avançar na formação continuada, deverá se fazer acontecer algo assim como uma reconciliação entre a categoria d@s professor@s e o poder público, responsável legal por essa formação.

   Quanto à questão do porquê da formação continuada, considerando o aspecto dos saberes científicos, literários, artísticos e tecnológicos (“os conteúdos”), talvez seja válido perguntar se 20 anos de experiência são realmente 20 anos de experiência. Pode ser que os 20 anos em que ocupo o cargo de professor@ sejam um ano de experiência mais 19 anos de repetição desse um ano. E pode até ter acontecido que, por várias razões, eu não tenha conseguido compreender o conteúdo a ponto de sabê-lo “de frente para trás e de trás pra frente”, condição necessária para a desejada firmeza da autoridade pedagógica. Conheci professor@ de História do ensino fundamental que, nos últimos anos de exercício do magistério, antes de se aposentar, cobrava dos alunos que, ao longo do ano, copiassem o conteúdo do livro-texto para o caderno; com isso ela matava duas moscas numa palmada só: prendia 100% d@s alun@as ao palanque da lapiseira e contentava as mães que queriam ver a matéria no caderno d@ filh@. Por que deveria um@ professor@ assim se perturbar com o “copiar e colar” como procedimento padrão de fazer um trabalho, se esse “trabalho” tiver uma apresentação esteticamente aceitável?

   A meu ver, um@ professor@ deve “ter café no bule”. Só neste caso, el@ é capaz de conversar, olho no olho, com @s alun@s sobre qualquer ponto de sua área de conhecimento. “Ter café no bule” significa saber contextualizar as informações que compõem sua área de conhecimento e relacioná-las com o mundo prático e com as informações de outras áreas. Por exemplo, em que medida a Matemática ensinada na escola nos ajuda a compreender os juros que pagamos às empresas financeiras? Até que ponto a Química como componente curricular nos ajuda a escolher os alimentos mais saudáveis? A Física do currículo escolar contribui para compreender os “poderes do superchoque”?

    Estou a sugerir que não é algo fora da casinha professor@s estudarem junt@s as suas respectivas matérias científicas, artísticas, literárias e tecnológicas. Até porque o volume de informações sobre quaisquer assuntos possíveis e imagináveis cresce exponencialmente nas últimas décadas e também porque a escola não é mais o único meio de as pessoas terem acesso aos “conteúdos”. Pelo viés dos “conteúdos”, nós devemos muito conversar uns com @s outr@s sobre como lidar, na escola, com as avalanches de informações acessíveis através dos meios de comunicação.

    Uma boa retomada reflexiva de nossa prática só faz sentido se nós temos um bom domínio de nossa área de conhecimento. Isso também vale para a exigência da interdisciplinaridade: para construirmos interfaces entre diferentes teorias e/ou áreas de conhecimento, devemos ter um ótimo domínio de nossa própria teoria e/ou área.

    Mudando do saco pra mala, tem uma pergunta que eu ouço muito de colegas professor@s e para a qual não sei se um dia alguém vai encontrar uma resposta satisfatória. A pergunta é: “como passar o conteúdo de forma mais atraente?” Penso que esta pergunta revela uma justa preocupação em relação à metodologia. Mas eu tenho dúvidas se ela está bem formulada. De um lado, parece-me que está subentendida nela uma intenção do tipo “colocar mel na chupeta da criancinha”, para dar gosto a algo que não tem gosto. De outro lado, tenho a impressão de que essa pergunta trai uma ideia inadequada de conhecimento: a ideia de que o conhecimento é um tipo de alimento já fabricado e empacotado e que bastaria colocar no forno micro-ondas, aquecê-lo e servi-lo. Notoriamente, @s professor@s que têm essa visão consideram ser conversa fiada todos os esforços que fazemos para definir o projeto pedagógico e os planos de estudo; para @s mesm@s, a locução “formação continuada” soa como “encher linguiça”. A propósito, talvez seja pertinente questionarmos a natureza do “ato de conhecer”, nos termos de Paulo Freire.

    Falando de Paulo Freire, lembro que, toda vez que iniciava uma tarefa pedagógica, ele se indagava: “que posso aprender desta experiência?” Por isso, ele dava tanta importância ao ato de ouvir @s educand@s. Nos encontros de formação continuada, nós temos espaços-tempos privilegiados para aprender com @s colegas de profissão. Aliás, o termo “encontro” me remete à ideia de “pintar um clima”. Assim como as pessoas éticas fazem esforço com vistas a criar um clima para a amizade, por exemplo, nós, @s responsáveis pelo serviço público de educar @s filh@s d@s outr@s para o desenvolvimento pessoal, para o trabalho e para a cidadania, também poderíamos nos empenhar para criarmos um clima favorável à troca e registro de experiências de nosso campo profissional.

    Se o leitor me permite, gostaria de dar um pitaco a respeito disso. Acredito que, atualmente, os projetos de formação continuada d@s profissionais da educação básica devem priorizar a troca, o registro e a publicização dos chamados saberes de experiência. Não que os saberes científicos e os saberes pedagógicos não sejam importantes. Mas acho que devemos estar atentos para o fenômeno da saturação. Nós estamos empanturrados de certos pacotes de informação, a ponto de que chegamos às raias de um engessador “mal-estar docente”. Parece-me que estacionamos, adoramos as mesmas vacas sagradas da teoria educacional, orientamo-nos por interpretações chulas de uma psicopatologia naturalista e repetimos chavões, dentre os quais algumas frases pinçadas dos livros de Paulo Freire. Como sair desta situação de “mula empacada”?

   Colega leitor@, perdoe-me se estou exagerando. Faço-o na intenção esperançosa de propor um caminho. Falo de uma proposta de concepção metodológica colhida, neste ano, de duas respeitáveis instâncias político-pedagógicas: o Fórum de Estudos – Leituras de Paulo Freire, realizado em Santa Rosa, de 26 a 28 de maio, e a Comissão Interinstitucional de Formação Continuada da Região Macromissioneira, composta por 02 representantes de cada uma das Coordenadorias Regionais de Educação de São Luiz Gonzaga, Santo Ângelo, Santa Rosa, Três Passos e Ijuí, 01 representante de cada um dos 6 núcleo do CPERS da região citada, 01 representante da UFFS, 01 representante do IFET Farroupilha, de Santa Rosa, 01 representante da UERGS, campus de São Luiz Gonzaga, representantes das secretarias municipais de educação, 01 da Associação dos Municípios da Região da Grande Santa Rosa e 01 da Associação dos Municípios da Região das Missões.

   Para o tema aqui em pauta, o Fórum de Estudos – Leituras de Paulo Freire representou um momento de divulgação e legitimação da metodologia da sistematização de experiências, cuja validade para a formação continuada merece ser apreciada. Já a Comissão Interinstitucional de Formação Continuada da Região Macromissioneira, está preparando, para cada CRE, num dos 5 dias da semana de formação pedagógica dos professores do Estado, prevista para 18 a 22 de julho, um Colóquio de levantamento de demandas e diretrizes a respeito da formação continuada para os próximos anos. Desde abril, nas cinco reuniões realizadas por essa Comissão Interinstitucional, foram estabelecidas algumas ideias diretrizes consensuais sobre formação continuada, que passo a expor resumidamente:

  1. só haverá formação continuada em sentido próprio caso @s própri@s professor@s se assumirem como @s protagonistas do processo, o que implica que esses colóquios deverão sensibilizar e incentivar @s profissionais da educação para isso;
  2. por isso, primeiramente, @s professor@s deverão ser ouvid@s quanto às suas demandas, desejos e propostas, ou seja, seus “sonhos possíveis”, na terminologia freireana;
  3. a formação continuada implica continuidade da prática, no sentido de que não se trata, sob hipótese alguma, de pretender malucamente começar do zero, mas, sim, trabalhar a partir do movimento interno e próprio de cada unidade escolar, em busca da superação das situações problemáticas, ainda que, caso julgado conveniente pel@s protagonistas, com assessoria externa;
  4. um projeto de formação continuada para os próximos anos deverá ser extraído dos colóquios de julho, mas salvaguardando de antemão a perspectiva das classes populares (“educação popular”) e o respeito às diferenças culturais, com vistas ao empoderamento das classes e “minorias” oprimidas;
  5. as demandas devem poder ser expressas e atendidas por áreas específicas, mas também em articulação com os objetivos gerais da educação brasileira;
  6. ter-se-á cuidado para não diluir num grande projeto a diversidade de necessidades das escolas da (culturalmente tão diversificada) região macromissioneira;
  7. a formação continuada eficaz terá implicações na forma de realizar as práticas de ensino, o que pode implicar inovação curricular e institucional;
  8. à medida que se pretende ouvir as vozes d@s professor@s, a metodologia de pesquisa chamada sistematização de experiências parece ser a mais adequada para a Comissão e para @s professor@s, pelo fato de possibilitar a retomada reflexiva da prática e, ao mesmo tempo, permitir os registros em gêneros literários e outras formas de expressão variados e criativos;
  9. alguns princípios para a formação continuada já estiveram em ação no processo de planejamento dos colóquios de julho; mas outros deverão ser colhidos desses colóquios, junto com as demandas e propostas;
  10. a formação continuada implicará necessariamente seriedade na abordagem do sofrimento psíquico d@s professor@s, mas deve-se evitar que a preocupação com a autoajuda esvazie o debate pedagógico;
  11. o foco da formação continuada deve ser a preocupação de lidarmos cada vez melhor com as diversas dificuldades de aprendizagem d@s educand@s, à medida que elas forem surgindo;
  12. a longo prazo, à medida que a formação continuada for consolidada como prática social assumida pel@s própri@s professor@s, possivelmente terá como esteios os grupos de estudo/pesquisa/reflexão organizados por escolas, por áreas ou outros critérios;
  13. os múltiplos atores institucionais envolvidos no projeto (Universidades, CREs e Núcleos do CPERS, SMDs), são corresponsáveis no planejamento participativo das atividades, buscando equalizar forças para ativar, coordenar e assessorar a formação permanente de professor@s;
  14. visando à sistematização das demandas e diretrizes a serem colhidas nos colóquios regionais de julho – desses colóquios deverá sair um documento que sirva de balizador de um programa de formação continuada, articulado com a política curricular –, ter-se-á o máximo de zelo quanto à fidelidade e inteireza do registro dos falas d@s professor@s durante os colóquios;
  15. os representantes dos núcleos do CPERS-sindicado da região macromissioneira estão atuantes na Comissão, cientes de que a formação continuada d@s professoras é uma bandeira histórica do sindicato, junto com a melhoria das condições salariais, estruturais, técnicas e sanitárias de trabalho da categoria;

    Pode ser que, nesta apresentação sumária das ideias consensuais da Comissão Interinstitucional, eu não tenha conseguido ser adequadamente exaustivo e claro, mas acredito ter podido oferecer uma noção geral dos seus pressupostos e intenções. Particularmente estou muito entusiasmado com a forma como esse processo de construção de projeto vem sendo conduzido e assumido pelos parceiros institucionais. Confesso ver nisso algo inédito em nossa região. E parece tratar-se de uma iniciativa pioneira no Rio Grande do Sul. A partir desta minha avaliação otimista, quero convidar @ Sr@. professor@ a não perder a oportunidade de se integrar nesse empreendimento a ser construído a muitas mãos. A nossa educação pública não anda tão mal quanto algumas vozes alardeiam. E nós podemos melhorá-la ainda mais, caso resolvermos avançar na equalização de nossas forças. A melhor formação continuada será aquela que nós assumirmos fazer, uns com @s outr@s, no chão da escola, sob o nosso controle, em termos de troca, registro e publicização de nossas experiências e em termos de inovação curricular e institucional.

Santo Ângelo, duas horas da madrugada de 10 de junho de 2011.

Professor Livio O. Arenhart.
1 Ao tratar d@s profissionais da educação, a LDB também emprega as expressões “formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior”, “educação continuada” e “aperfeiçoamento profissional continuado”.

Um comentário:

  1. Muito bom reler o texto do professor Livio O Arenhart! Há sempre um tempo para resgatar bons encontros de Formação Continuada!

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